
O primeiro território livre de uma geração, sem a vigilância dos pais, sem as regras da escola e sem a rigidez do trabalho, costuma ser a noite. É ali que os jovens se reúnem não só para beber e se divertir, mas para inventar o próprio jeito de enxergar o mundo. Criam seus códigos, trocam angústias, experimentam afetos, elaboram linguagens.
Entre o calor do balcão e o papo na rua, vão construindo a sensação de que fazem parte de algo maior — algo que une todos na maneira de sentir o tempo, de rir das coisas, de perseguir o futuro. Não é uma ideologia, nem um movimento organizado. É uma sintonia difusa, mas real, que só pode nascer quando há espaço para o encontro, para o improviso e para algum excesso. É o que se convencionou chamar de espírito de uma geração.
Se a vida boêmia entra em crise, ou, mais do que isso, se ela passa a ser encarada como inimiga da sociedade, como mostrou a reportagem de Yasmim Girardi na semana passada, em GZH, o recado para os jovens é um só: não há espaço para o que vocês são — nem para o que vocês ainda nem sabem que podem ser. Melhor é uma juventude trancada no quarto, claro, que goza na solidão do Wi-Fi sem nunca importunar os adultos que enxergam na própria esterilidade um instrumento de controle.
É óbvio que os moradores têm direito a dormir, a ver TV, a viver suas vidas de acordo com a idade que têm. O que não significa que Porto Alegre precise virar um mausoléu quando passa da meia-noite. A prefeitura, nos últimos tempos, se dedicou muito mais a sufocar a vida noturna do que a promover qualquer esforço de mediação — como se o papel do poder público fosse escolher um dos lados, e não arbitrar o conflito entre eles.
O governo anterior chegou a esboçar uma bela ideia: o plano era criar uma zona boêmia no Largo Glênio Peres, em frente ao Mercado Público, onde praticamente não há residências. Comerciantes toparam a proposta, haveria linhas de ônibus até mais tarde, e os jovens atravessariam a madrugada entre risadas e goles ao relento. Mas o então prefeito, Nelson Marchezan, preferiu engavetar tudo — e a cidade retomou o caminho mais fácil: encurtar horários e apertar a repressão.
Aliás, Porto Alegre morre cedo até para um adulto maduro: se vou ao cinema na sessão das nove, é difícil encontrar na saída um bar que ainda esteja com a cozinha aberta. Se nem a gente tem mais lugar na cidade à noite, o que sobra para quem está começando a viver?