
O anúncio da venda do Pito, ponto de encontro em Porto Alegre, levanta uma questão entre os frequentadores: estaria a vida noturna da Capital em crise? Queixas sobre os horários de funcionamento dos bares e a descentralização das opções de divertimento são comuns entre os jovens porto-alegrenses. Para especialista em sociologia urbana, trata-se de um movimento conservador de busca pelo sossego.
— A noite em Porto Alegre está bem próxima de uma crise. É cíclico, alguns bares ou festas abrem, bombam durante um tempo, e depois vão perdendo o público ou recebem pressão da prefeitura — avalia o produtor de festas Matheus Moraes, 25 anos.
A percepção de que o leque de opções para lazer noturno está ficando menor não é exclusiva de Moraes. Nas ruas, a impressão dos jovens é de que o divertimento agora conta com um roteiro repetitivo e segmentado. As atividades de lazer e os eventos sociais tendem a se restringir a grupos específicos, fazendo com que os frequentadores circulem pelos mesmos pontos.
— Acho que está faltando variedade em Porto Alegre. São rolês muito nichados que têm hoje em dia. A gente acaba optando sempre pelos mesmos lugares — relata o estudante de arquitetura e urbanismo Rainer Weyh, 24.
A produtora cultural Clara dos Santos, 26, compartilha da opinião:
— Tem lugares para várias tribos e nichos. Mas, dentro dos nichos, tem poucos lugares. Se tu gosta de um tipo de rolê, tu acaba encontrando as mesmas pessoas nos mesmos lugares — pontua ela.
Os frequentadores reforçam, também, a disseminação das atrações como um dos problemas. Há alguns anos, a maioria das opções de divertimento se encontravam na Cidade Baixa e no Moinhos de Vento. Atualmente, outros bairros, como o Centro Histórico, o Quarto Distrito e o Rio Branco, passaram a contar com opções de agito.
— Falta um lugar mais centralizado. A galera se dispersa muito para lugares diferentes — opina o desenvolvedor de software Marcos Gonçalves, 23.
Horários pouco convidativos
Já nas redes sociais, as reclamações mais recorrentes envolvem o horário de fechamento dos estabelecimentos. Porto Alegre conta com regras específicas para o funcionamento de cada tipo de local em diferentes bairros. Em geral, bares podem funcionar até a meia-noite e casas noturnas — classificadas assim por terem revestimento acústico, pista de dança, camarote e venda de ingressos, por exemplo — até as 6h.
Na Cidade Baixa, que possui regramento próprio, nas sextas-feiras, sábados e vésperas de feriados, os bares podem ficar abertos até as 2h. Nos outros dias, até a 1h. No bairro Moinhos de Vento, estabelecimentos como bares e similares devem, após à meia-noite, restringir as atividades ao consumo em área interna.

— A gente é uma capital, tem mais de um milhão de habitantes, e a cidade praticamente não tem vida depois da meia-noite. Os bares, principalmente os que têm acesso à rua, como o Pito e o El Aguante, no Rio Branco, e os bares ali também da escadaria da Borges, no Centro Histórico, o Justo e o Armazém, têm que estar fechados até meia-noite — lamenta o administrador Lucas Gomes, 35.
Além disso, desde 2022, um regramento proíbe o funcionamento de loja e minimercado de bebidas, bem como o comércio de ambulantes, da meia-noite às 7h, na Cidade Baixa — exceto quando autorizados pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e Turismo (SMDET).
O procurador-geral do município em exercício, Nelson Marisco, explica que essas medidas foram tomadas levando em consideração as reclamações dos moradores. Atualmente, segundo Marisco, os bairros Cidade Baixa e Rio Branco lideram as queixas por barulho, aglomerações e outros problemas ligados à vida noturna, como a sujeira das ruas.

— Há uma importunação muito grande aos moradores dessas regiões, que se mobilizam e reclamam pelo 156 e por outros canais. Há necessidade do município regular e mediar essas situações. Mas não há uma intolerância quanto aos estabelecimentos. Muito pelo contrário, o município tem o interesse que haja uma expansão econômica nos mais diversos bairros, só que o que a gente vê, em muitos casos, é que há uma exorbitância desse direito — acrescenta.
Momento conservador
A tensão entre o desejo de uma vida noturna vibrante e a necessidade de sossego para os residentes parece ser um dos nós que Porto Alegre ainda não conseguiu desatar. Para o professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e especialista em sociologia urbana Eber Marzulo, trata-se de um contexto em que valores mais tradicionais são levados em consideração:
— Esse movimento tem a ver com um espectro mais conservador da nossa época. Controlando os espaços através do aparelho de Estado. Acho que talvez tenha algum impacto com um certo envelhecimento da população, que demanda mais silêncio. Por experiência, percebo que em Buenos Aires (AR), Montevideo (UY), Nova York (EUA), Paris (FR) e Barcelona (ES) também estão com movimentos menos intensos do que já tiveram um dia.
O especialista defende que, para os jovens, é importante ter opções de lazer, considerando a limitação dos espaços privados. Ele ressalta, ainda, que a falta de uma vida noturna movimentada gera pontos negativos para a economia e a segurança de uma cidade.
— Isso tem impacto econômico indireto. Porque está diminuindo uma movimentação que é urbana e que gera movimentação econômica. Em especial com os pequenos comerciantes, donos de bares, restaurantes, e até do comércio informal, que fica vendendo na rua. E, se não tem animação urbana, os espaços ficam muito inseguros. A sensação de insegurança aumenta — acrescenta o professor.
Vida noturna é importante para os jovens
A vida noturna vai além do entretenimento: é um espaço de socialização, expressão cultural e pertencimento para os jovens. Bares e festas funcionam como pontos de encontro que ajudam a construir identidade. A psicóloga Nhatash Fonseca acredita que, diante de um contexto em que a internet permeia muitas relações, esses momentos de agito presenciais são importantes.

— É importante que tenha um lugar em que a pessoa se sinta segura para interagir. Porque esse jovem de 20 e poucos anos é um adolescente mais estendido e precisa dos grupos para criar uma identificação. Eles precisam de um lugar para interagir que não seja a internet, porque são humanos, precisam de contato. Quando interagimos e fazemos o que gostamos, liberamos substâncias como serotonina e dopamina e isso é importante para a saúde mental — afirma.
Ela cita, ainda, o período pandêmico, em que a população foi orientada a respeitar o isolamento social e evitar espaços de aglomerações. Esse cuidado ajudou a criar um hábito de reclusão entre os jovens, o que pode afetar a saúde mental, dificultar vínculos sociais e enfraquecer o senso de comunidade.
— A vida social é muito importante para mim. Até pela questão da pandemia, que a gente passou ali, dois anos, praticamente, trancados em casa. Eu tenho um grupo de amigos que a gente se vê toda sexta-feira ou sábado, e é muito importante. A gente queria ter mais opções de lazer e lugares para se encontrar — pondera o administrador Lucas Gomes.