
Pouco mais de um mês após Edelvânia Wirganovicz — condenada pelo assassinato do menino Bernardo Boldrini, em 2014, no noroeste do RS — ser encontrada morta na cadeia, a Polícia Civil finalizou a investigação sobre o caso.
Edelvânia foi localizada sem vida, com sinais de enforcamento, em 23 de abril deste ano, no Instituto Penal Feminino de Porto Alegre, onde cumpria pena no regime semiaberto.
A apuração da 1ª Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa de Porto Alegre concluiu que não houve crime e nem a participação de outra pessoa na morte. Os detalhes do caso foram divulgados em coletiva à imprensa nesta quinta-feira (29).
Segundo o delegado Gabriel Borges, na tarde de 23 de abril os policiais foram informados de que uma presa havia sido achada morta no pátio da unidade prisional. O corpo foi localizado por uma policial penal.
Conforme o delegado, dentro da casa prisional, Edelvânia possuía certa liberdade em relação aos serviços que realizava, já que trabalhava na jardinagem. Em razão disso, tinha acesso a determinados locais em que poderia fazer essas atividades, e isso também permitia que manuseasse alguns equipamentos, como escadas, cordas, e outros materiais de jardinagem.
— Ela se enquadrava dentro do que no sistema prisional se chama de ambiente seguro, em razão do crime que cometeu. Ela não transitava livremente com outras detentas. Havia uma proteção, em razão de uma possibilidade de represália das outras detentas. Ela permanecia isolada com um número muito pequeno de detentas nesse chamado “seguro”. Quando ela exercia suas atividades laborais, de jardinagem, era com o número mínimo de detentas circulando no mesmo ambiente. Então, isso permitia que ela ficasse por muito tempo isolada, sozinha e com a liberdade para exercer o trabalho — detalhou.
Quando chegaram ao local, os policiais encontraram o cadáver num corredor estreito. Ao lado, havia uma escada portátil metálica. A partir disso, teve início a investigação com depoimentos e análises de imagens de câmeras de segurança. Foram ouvidos como testemunhas presas, servidores e a diretora da unidade prisional.
A polícia coletou ainda imagens do videomonitoramento do instituto. os vídeos obtidos pela investigação mostram Edelvânia saindo sozinha para o pátio, depois transportando uma escada metálica em direção ao local onde seria encontrada morta.
— Nós verificamos por inúmeras câmeras de segurança da casa prisional que ela, sozinha, vai até o local em que o corpo foi localizado, conduzindo uma escada. Então, ela vai até esse local, permanece por um certo tempo e, posterior, uma policial penal que está fazendo a fiscalização de rotina do ambiente visualiza a cena e, de pronto, solicita socorro, auxílio, das demais colegas. É feito ali um primeiro atendimento de tentativa de resgate, mas ela acaba vindo à óbito — disse Borges.
Também foram analisados documentos disponibilizados pela unidade prisional. Paralelo a isso, o laudo da perícia descartou a possibilidade de qualquer lesão de defesa e apontou que a morte é compatível com suicídio. Após avaliar todos os elementos, a polícia concluiu o caso, descartando qualquer possível envolvimento de outra pessoa.
— A investigação qualificada apontou o cenário completo do fato ocorrido na casa prisional. Não houve um crime. Houve uma situação infelizmente relacionada à própria pessoa — complementou o diretor do Departamento de Homicídios, delegado Mario Souza.
Motivação

Com a conclusão de que não houve um crime, a Polícia Civil passou a investigar quais foram as motivações que levaram a esse desfecho. Segundo Borges, foram identificados, a partir da coleta de depoimentos de presas que conviviam com Edelvânia e de documentos analisados, fatores que podem ter contribuído. A investigação conseguiu apontar que já havia sinais de ideações suicidas anteriores.
— Não foi algo num rompante, foi algo planejado. Não há nenhuma carta ou menção nesse sentido, mas já havia elementos. Ouvimos diversas pessoas, inclusive detentas que conviviam com ela, e ela havia, sim, mencionado algumas vezes. Ela, por exemplo, mencionava para essas detentas que o sentimento de culpa dela era muito grande, em razão do crime anterior, e não só pelo crime que ela cometeu, mas também pela condenação do irmão dela. Então havia esse sentimento que consumia ela por muito tempo — explicou o delegado.
As presas relataram que Edelvânia também se demonstrou abalada após saber que a madrasta de Bernardo, Graciele, passaria a cumprir pena no regime semiaberto, e que havia a possibilidade de ela ocupar vaga na mesma unidade prisional.
— Elas não tinham uma boa relação. A relação era conflituosa desde a data do crime (assassinato de Bernardo). Então, isso também foi uma questão que impulsionou ainda mais a ideação suicida dela. Esse conjunto de situações subjetivas dela motivou o ato que foi apurado — disse o delegado.
Subchefe da Polícia Civil, a delegada Adriana Regina da Costa afirmou que, embora não seja habitual a corporação detalhar episódios de suicídio, neste caso houve decisão pela divulgação, em razão do contexto no qual se deu a morte, dentro de uma unidade prisional.
— A importância dessa entrevista coletiva no dia de hoje é de trazer para a população o esclarecimento do que realmente ocorreu. É um trabalho bem técnico que foi feito pelo Departamento de Homicídios, trazendo ainda a análise de imagens, laudos periciais, onde tudo vem de acordo com o que foi apurado. Também a prova testemunhal que foi colhida, tanto de agentes penitenciários, como de presas que estavam no local. Todo esse trabalho resultou nessa conclusão de hoje, que realmente teria ocorrido um suicídio — disse.
Histórico
Edelvânia foi condenada a 22 anos e 10 meses de prisão pela morte do menino Bernardo em março de 2019. Em maio de 2022, Edelvânia Wirganovicz foi para o regime semiaberto.
Em 2023, uma decisão do juízo da 2ª Vara de Execuções Criminais da comarca de Porto Alegre determinou que Edelvânia cumprisse pena em prisão domiciliar com tornozeleira eletrônica em razão da falta de vagas no sistema prisional.
No entanto, em 25 de fevereiro de 2025, o Supremo Tribunal Federal (STF) revogou a prisão domiciliar e determinou o retorno dela ao semiaberto. A decisão do ministro Cristiano Zanin atendeu uma reclamação da Procuradoria de Recursos do Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS). Segundo o MP, Edelvânia não poderia receber o benefício de regime domiliciar porque teria 50% de pena pendente para cumprimento.
Morte de Bernardo

De acordo com a polícia, o menino foi visto pela última vez às 18h do dia 4 de abril de 2014, quando ia dormir na casa de um amigo, que ficava a duas quadras de distância de onde ele morava.
No dia 6 de abril, o pai de Bernardo foi até a casa do amigo, mas foi comunicado que o filho não estava no local e que não havia chegado nos dias anteriores.
Vários dias após o suposto sumiço do filho, Leandro Boldrini procurou uma emissora de rádio de Porto Alegre para pedir ajuda nas buscas pelo menino.
— A gente está com uma força-tarefa com a Polícia Civil, Brigada Militar. Assim, a gente tá procurando esse menino, que é o Bernardo Uglione Boldrini — relatou à Rádio Farroupilha, do Grupo RBS.
O corpo do menino foi encontrado em Frederico Westphalen, no norte do Estado, a 80 quilômetros de Três Passos. Na época, a polícia não descartava nenhuma linha de investigação. Dois carros da família foram recolhidos para perícia.
Na mesma noite em que o corpo foi encontrado, a polícia prendeu o pai, a madrasta, Graciele Ugulini, e Edelvânia, que era amiga da madrasta. No dia do desaparecimento, Graciele foi multada por excesso de velocidade entre Três Passos e Frederico Westphalen. Bernardo estava no banco de trás do carro.
O corpo de Bernardo foi velado em 16 de abril daquele ano, no ginásio do Colégio Ipiranga, onde ele estudava, em Três Passos. A vítima foi enterrada no Cemitério Municipal de Santa Maria, no mesmo jazigo da mãe, Odilaine, que cometeu suicídio em fevereiro de 2010, aos 30 anos.
Investigação

Órfão de mãe, o garoto se queixava de abandono familiar. Bernardo chegou a procurar o Judiciário no início de 2014 para falar do assunto, pedindo para morar com outra família, segundo o Ministério Público.
A avó materna, Jussara Uglione, disse que a criança era maltratada pela madrasta.
— Ela não deixava ele entrar em casa enquanto o pai não chegasse — afirmou.
Já uma ex-babá do menino afirmou que ele recebia pouca atenção do pai e da madrasta.
— Ela sempre afastava o menino dela. Agredia com palavras — disse.
Em 10 de maio de 2014, a Polícia Civil prendeu o irmão de Edelvania, Evandro Wirganovicz, suspeito de participação ou ocultação de cadáver no caso. A Justiça considerou que o terreno onde o corpo de Bernardo foi encontrado era de difícil escavação, o que poderia indicar a participação de um homem, além de Edelvânia e da madrasta.
Em 15 de maio daquele ano, o pai, a madrasta e a amiga foram denunciados por homicídio quadruplamente qualificado (motivos torpe e fútil, emprego de veneno e recurso que dificultou a defesa da vítima). Eles também foram acusados de ocultação de cadáver.
Dois julgamentos
O primeiro júri do Caso Bernardo ocorreu em março de 2019. Na ocasião, Leandro foi condenado ao lado dos outros três réus — a madrasta do menino, Graciele Ugulini; a amiga da madrasta, Edelvânia Wirganovicz; e o irmão de Edelvânia, Evandro Wirganovicz.
Contudo, o pai conseguiu a anulação da primeira sentença em dezembro de 2021. Os desembargadores do Tribunal de Justiça consideraram que houve disparidade de armas entre a acusação e a defesa, o que acabou beneficiando Boldrini.
O novo júri foi realizado em março de 2023. Dessa vez, o médico Leandro Boldrini foi condenado a 31 anos e oito meses de prisão pelos crimes de homicídio quadruplamente qualificado e por falsidade ideológica. Ele foi absolvido da acusação de ocultação de cadáver. Boldrini cumpre pena em regime semiaberto em Santa Maria.
Em abril deste ano, Graciele recebeu da Justiça o direito de cumprir pena no regime semiaberto. Após a decisão sobre a progressão de regime, ela foi consultada e informou que gostaria de seguir cumprindo a pena em sua região de origem. Graciele possui familiares em Santo Ângelo.
Evandro Wirganovicz cumpriu a pena de nove anos e meio de prisão, extinta em janeiro de 2024, e está solto.
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