
O Senado Federal aprovou, na última quarta-feira (21), um projeto para estabelecer a Lei Geral do Licenciamento Ambiental. A legislação, caso também aprovada na Câmara dos Deputados e sancionada pela Presidência da República, cria novo marco para o licenciamento ambiental no país, com a flexibilização de regras para empreendimentos com impactos sobre o meio ambiente.
A Lei Geral do Licenciamento Ambiental propõe a adoção de normas nacionais para o andamento dos processos de autorização de empreendimentos, com definição de prazos e critérios específicos. O novo marco legal busca emplacar mudanças na condução e na responsabilização dos processos de licenciamento.
O Rio Grande do Sul tem uma legislação ambiental estadual própria, que foi reformada em 2019 e sancionada em 2020. O novo Código Ambiental gaúcho já havia inserido o dispositivo do autolicenciamento ambiental para diversos tipos de atividades econômicas, incluindo práticas consideradas de baixo, de médio e alto potencial poluidor.
Contudo, alguns pontos do novo código gaúcho foram questionados na Justiça, em um processo que chegou até o Supremo Tribunal Federal (STF). No último mês de abril, a Corte emitiu decisão regulando o autolicenciamento ambiental no Estado, considerando inconstitucional esse tipo de licença para 31 atividades produtivas de médio e alto potencial poluidor, situação na qual o Estado se encontra atualmente.
A nova legislação nacional
A aprovação de uma normativa, como a Lei Geral do Licenciamento Ambiental, entretanto, muda o panorama em vigor no Rio Grande do Sul no momento, pois o que passará a valer de forma prioritária em todo o país será esta nova lei nacional.
A Constituição Federal define que é competência da União regular o licenciamento ambiental no Brasil. Contudo, como não havia até então uma lei federal que unificasse o tema, prevaleciam as legislações estaduais, que eventualmente tinham sua constitucionalidade questionada em alguns pontos e poderiam sofrer modificações via decisões judiciais de instâncias superiores. Foi o que aconteceu com o autolicenciamento ambiental para atividades de médio e alto potencial poluidor no código gaúcho.
— Um dos aspectos considerados pelo Supremo para declarar a inconstitucionalidade de dispositivos conforme a Constituição envolvia a ausência de previsão na legislação federal ante o fato de que, em matéria ambiental, cabe à União editar normas gerais e ao Estado complementar com base no seu interesse. Com a edição de uma Lei Geral de Licenciamento Ambiental, essa lacuna apontada pelo Supremo estará preenchida — destaca a advogada Fabiana Figueiró, sócia da área de Ambiental & Sustentabilidade do Souto Correa Advogados.
— A lei federal tem prevalência sobre as leis estaduais naquilo que a contrariarem. Contudo, a nova lei geral federal também precisará estar alinhada a preceitos que garantam um meio ambiente equilibrado, como determina a Constituição Federal — complementa Fabiana.
Dessa forma, se o texto da nova Lei Geral do Licenciamento Ambiental passar a vigorar, esta será a legislação que regulará esta matéria em todo o país. As leis estaduais continuarão em vigor, mas servirão apenas como complemento legislatório à norma nacional. Nos pontos em que houver contrariedade entre as regras, de forma geral, prevalecerá o estabelecido pela legislação federal, a menos que alguma decisão judicial modifique algum ponto específico.
Mudanças no autolicenciamento ambiental no RS
No Rio Grande do Sul, a nova legislação nacional prevaleceria inclusive sobre o que foi decidido pelo STF em abril. Isso porque a decisão do Supremo se refere a uma regra que seria superada pela nova lei nacional, se definitivamente aprovada.
A Lei Geral do Licenciamento Ambiental, em sua forma recém-aprovada pelo Senado, traz uma maior flexibilização às possibilidades de emissão do autolicenciamento em comparação com o que o STF decidiu em relação ao novo código ambiental gaúcho. Na legislação aprovada no Senado, por exemplo, os parlamentares propõem o autolicenciamento também em atividades de médio porte e médio potencial poluidor, algo que o STF vetou para o Estado na decisão de abril.
Por isso, pelo menos em teoria, as atividades consideradas de médio potencial poluidor que hoje têm o autolicenciamento vetado no Estado pela decisão do STF passariam a estar liberadas, com base na nova legislação federal.
Contudo, o texto final da nova legislação federal ainda precisa ser consolidado e aprovado na Câmara dos Deputados e sancionado pela Presidência da República. Além disso, pontos específicos também poderão ser alvo de processos questionando sua constitucionalidade. Nesse caso, o STF também decidiria sobre esses questionamentos. Uma eventual decisão da Corte modificaria a nova legislação federal e passaria a valer também em todo o Brasil.
— Até a aprovação na Câmara e sanção presiencial da nova lei federal, a decisão do STF ocorrida em abril tem eficácia no RS. Portanto, ainda há um bom caminho até a edição final da nova lei, e mudanças tendem a ocorrer. De todo modo, passada essa etapa, o texto poderá ter a constitucionalidade questionada no STF, e eu diria que há essa tendência, tendo vista a crescente judicialização de temas dessa natureza. A eventual futura decisão do STF terá efeito em todo o território nacional — reforça a advogada Fabiana Figueiró.
Entre as atividades econômicas consideradas de médio potencial poluidor que hoje têm o autolicenciamento ambiental vetado no Estado, e que poderiam ser liberadas após a entrada em vigor da nova legislação federal, estão a criação de aves de corte, corte de suínos, serraria e a fabricação de calçados, por exemplo.
— O autolicenciamento no Rio Grande do Sul foi limitado, pela decisão do STF, a atividades de pequeno porte e baixo potencial poluidor, e a nova lei, do jeito que está hoje, inclui a possibilidade para atividades de médio porte e médio potencial poluidor. No momento em que essa legislação for aprovada definitivamente, portanto, em tese, essas atividades que foram consideradas inconstitucionais na lei do Estado pelo STF, poderão voltar a valer e ser objeto de autolicenciamento — explica Alexandre Burmann, advogado especializado em Direito Ambiental.

O autolicenciamento
No sistema tradicional, a emissão da licença ambiental depende de análise e aprovação de técnicos do órgão de meio ambiente — no Rio Grande do Sul, a Fepam. No modelo de autolicenciamento, o empreendedor envia os documentos exigidos pelo sistema online, se compromete a respeitar as regras ambientais e a permissão é emitida pela internet.
Tecnicamente chamado de Licença por Adesão e Compromisso (LAC), o autolicenciamento foi autorizado no novo Código Ambiental do RS para 49 atividades produtivas — das quais 31 são de médio e alto potencial poluidor, o que posteriormente foi vetado pelo STF.
O autolicenciamento ambiental é criticado por ambientalistas, que alegam que o mecanismo impõe riscos à proteção ambiental.
— Se aprovada essa nova lei, será um verdadeiro desastre, impactando diretamente as comunidades tradicionais e o meio ambiente, mas também será um atentado contra a humanidade, dado que guarda relações com a questão climática global. O PL é um retrocesso ambiental em um momento ecológico crítico, que pode ajudar a ampliar ainda mais o problema — defende Heverton Lacerda, presidente da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan).
O advogado Alexandre Burmann argumenta que é positivo para o país que haja uma legislação federal que unifique a regulação sobre o tema, mas também reforça que o texto da lei ainda precisa ser ajustado.
— Quem trabalha com Direito Ambiental avalia como positiva a iniciativa de termos uma lei de licenciamento ambiental nacional. Há alguns pontos dessa lei que precisam ser ajustados, sem dúvida nenhuma, mas é inegável que a gente precisa de uma lei federal sobre essa matéria. O sistema, como é hoje, gera muita insegurança jurídica e questionamentos, então é positiva a iniciativa de termos uma lei geral, mas reitero que existe a necessidade de ajustes no texto — ressalta.
A relatora do projeto, a senadora Tereza Cristina (PP-MS), diz ser possível "conciliar" desenvolvimento econômico com meio ambiente.
— Nós precisamos parar de travar o desenvolvimento do Brasil. E essa é, sem dúvida, uma responsabilidade do Congresso Nacional. Nenhum país do mundo condena seu povo a ficar sem luz, sem água, esgoto, sem estrada, enfim, sem prosperidade, em razão dos desafios de conciliar a atividade econômica com a preservação ambiental, e elas podem, sim, andar juntas — disse, na sessão de quarta.
