
O sono é quase um luxo na vida das mães. Independentemente da fase da maternidade, é raro que elas consigam desfrutar de uma noite de sono realmente reparadora. A privação de sono, especialmente no período perinatal e nos primeiros meses do bebê, traz consequências significativas para a saúde física e emocional.
Segundo Bárbara Hunhoff, pneumologista especialista em medicina do sono da Santa Casa de Porto Alegre, a falta de sono pode desencadear transtornos psiquiátricos como depressão e ansiedade generalizada. Além disso, está associada à resistência à insulina, ganho de peso, aumento do risco de desenvolver diabetes tipo 2 e doenças cardiovasculares.
— Estudos demonstram que mães com má qualidade de sono nos primeiros seis meses pós-parto apresentam um risco de duas a três vezes maior de manter sintomas depressivos até dois anos após o parto — explica a médica.
Bárbara alerta que a fadiga persistente reduz a responsividade emocional e a empatia materna, comprometendo o vínculo afetivo com a criança — o que pode impactar negativamente o desenvolvimento emocional, social e cognitivo do bebê a longo prazo.
Anelise Weingärtener, pneumologista e médica do sono, reforça que a privação de sono pode impactar tanto a saúde mental da mãe quanto o desenvolvimento do bebê, destacando a importância de uma rede de apoio:
— Isso também pode afetar a produção de leite, que pode não corresponder adequadamente às necessidades do bebê. A falta de descanso leva ao aumento da irritabilidade, do estresse, entre outros efeitos. Algumas mães se tornam mais reativas emocionalmente, tendo dificuldade para lidar com o choro do bebê, por exemplo. Esse vínculo emocional, muitas vezes, acaba prejudicado, e ela se sente cada vez mais frustrada.
A privação do sono também gera impacto significativo nas funções cognitivas, emocionais e físicas, além de contribuir para o envelhecimento cerebral, ao qual as mulheres estão mais propensas, como acrescenta Bárbara:
— O cérebro fica mais lento, a memória de curto prazo se torna deficiente, a concentração é reduzida, assim como a capacidade de tomar decisões. Outro ponto importante, no aspecto físico, é o aumento do hormônio do estresse, o cortisol, o que também pode levar ao desenvolvimento de doenças crônicas. Isso se transforma em um ciclo vicioso.
Por que dormir é essencial?
Anelise explica que é durante o sono que ocorre a regeneração celular: período em que o corpo descansa, restaura os tecidos musculares e produz proteínas que auxiliam na defesa contra infecções e inflamações. Além disso, é nesse momento que ocorrem as regulações hormonais, como, por exemplo, os hormônios da fome, da saciedade e a prolactina, responsável pela produção de leite.
— Além da recuperação muscular, há a chamada "limpeza cerebral". Quando falamos em saúde mental, é durante o sono que ocorre a regulação do humor, a redução do estresse e da ansiedade, há o equilíbrio hormonal, o desempenho cognitivo e os processos relacionados à memória — detalha.
Existe uma média ideal de sono — geralmente entre sete e nove horas por noite —, mas é importante lembrar que essa necessidade pode variar de acordo com cada mulher e com a fase da maternidade em que ela se encontra, destaca Bárbara:
— Sabemos que descansar bem nem sempre é possível, e tudo bem sentir-se cansada. O importante é reconhecer esses desafios e, sempre que possível, buscar apoio e cuidar de si mesma.
Quais são os mitos?
Diante da idealização das mães como super-heroínas capazes de lidar com múltiplas demandas, é crucial desmistificar certos conceitos como, por exemplo, deixar o bebê chorar para aprender a dormir sozinho. Anelise enfatiza que essa prática pode gerar estresse adicional para ambos:
— A consulta frequente ao pediatra é fundamental para orientar sobre os desenvolvimentos individuais de cada criança, pois cada fase de crescimento traz consigo desafios únicos. Então, deixar o bebê chorando não é bacana.
A especialista diz que a amamentação está longe de atrapalhar o sono – desempenha papel crucial na indução e na regulação dos ciclos de sono do bebê, graças aos hormônios presentes no leite materno. Além disso, os chamados saltos de desenvolvimento (período em que os bebês adquirem novas habilidades como sorrir, sentar, engatinhar) tampouco são vilões do sono, mas etapas normais que demandam compreensão e suporte.
Quando procurar ajuda profissional?
É recomendável buscar ajuda médica quando os distúrbios de sono na maternidade se tornam persistentes, afetam significativamente o dia a dia da mãe ou estão associados a sintomas de depressão, ansiedade ou sensação de sobrecarga, alerta Bárbara.
Fique atenta nestes sintomas:
- Insônia persistente: dificuldade para iniciar ou para manter o sono por mais de três noites por semana
- Fadiga intensa: sensação de cansaço excessivo que prejudica o desempenho nas atividades diárias, como cuidar do bebê, trabalhar ou realizar tarefas domésticas
- Ansiedade ou depressão: distúrbios de sono acompanhados de tristeza persistente, irritabilidade, dificuldade de concentração ou pensamentos negativos, que podem indicar depressão pós-parto
- Suspeita de condições específicas: se houver sintomas como ronco alto, pausas respiratórias durante o sono ou movimentos involuntários dos membros inferiores (como síndrome das pernas inquietas)
Como criar uma rotina saudável?
Criar uma rotina de sono que funcione tanto para a mãe quanto para o bebê requer consistência, adaptação às necessidades de ambos e um ambiente propício ao descanso.
Segundo Bárbara, o ideal é começar com uma rotina noturna consistente para o bebê, que inclui atividades calmas e previsíveis, como banho morno, amamentação em ambiente com pouca luz e temperatura agradável, e colocá-lo para dormir sempre no mesmo horário.
— Com o tempo, essa consistência contribui para a consolidação de padrões de sono mais previsíveis e restauradores para mãe e bebê.
Confira mais dicas
- Cochilos curtos durante o dia (entre 20 e 30 minutos) enquanto o bebê estiver dormindo
- Estabeleça horários regulares para dormir e acordar, inclusive nos finais de semana
- Evite o uso de celulares, televisores e computadores pelo menos uma hora antes de dormir. A luz emitida pelas telas pode inibir a produção de melatonina, hormônio fundamental para a regulação do sono
- Restringir o consumo de cafeína nas seis horas que antecedem o horário de dormir
- Compartilhar as responsabilidades noturnas com o parceiro ou rede de apoio, visando minimizar as interrupções e a privação de sono
- Praticar técnicas de relaxamento antes de dormir: como exercícios de respiração profunda, meditação ou banho morno, para facilitar a transição ao sono
- Buscar suporte profissional especializado em casos de ansiedade, sobrecarga emocional ou sintomas de depressão pós-parto, a fim de receber orientações e intervenções adequadas