
O jornalismo esportivo gaúcho se divide em antes e depois de Ruy Carlos Ostermann. Então, minha primeira relação com ele é essa.
Cheguei depois, com o terreno preparado, livre dos espinhos e de certos preconceitos. A abordagem diferenciada do professor, encaixando outros verbos e sujeitos na descrição de um jogo, nos colocou em outra prateleira.
Tive o privilégio de trabalhar ao seu lado na redação de ZH, quando era repórter. Nossos lugares eram grudados. Lembro de uma vez que Thiago Lacerda, o ator, escapou da tietagem nos corredores da RBS, após uma entrevista, e subiu no quarto andar. Invadiu a redação de ZH. Eu estava no meu computador. Ele era fã do Ruy:
— Me falaram que aqui eu acharia Ruy Carlos Ostermann… — suspirou o eterno capitão Rodrigo ao não encontrá-lo.
O olhar cirúrgico do professor
Outro que sempre o procurava para dar-lhe um abraço era Caco Barcellos. Que, como se sabe, é gaúcho. Foi o professor quem farejou naquele jovem foca um repórter genial, quando era diretor de redação da Folha da Manhã, nos anos de chumbo.
Eduardo Bueno, Edgar Vasques, Juarez Fonseca, Carlos Urbim, Luis Fernando Verissimo – todos revelados pelo seu olhar cirúrgico para perceber o talento prestes a florescer.
Perdi as contas das vezes que ele ligava para a redação, ainda no ar nas jornadas noturnas da Rádio Gaúcha, para ditar a atualização da coluna do dia seguinte com o resultado do jogo. Tínhamos de ser rápidos. Ele ditava, ou declamava, eu anotava. Depois de algum tempo, a confiança já permitia que ele dissesse:
— Vê se com isso fecha. Se não fechar, completa tu mesmo, guri.
Poucas vezes recebi um elogio não verbal assim. Eu acrescentava uma frase, algumas palavras, um ajuste na linha para completar o número de toques. Nada demais, mas tinha de manter aquele estilo inconfundível. Ou, ao menos, não estragar tudo. Era o texto do professor! Convivemos mais fortemente na Copa do Mundo da França, em 1998. Eu cobria a Seleção, ele escrevia a coluna para ZH e comentava pela Rádio Gaúcha.
A Copa de 1998
Nunca vou esquecer de uma cena. Ruy chega ao CT de Ozoir-la-Ferrière, onde o Brasil treinava. Avista o velho amigo Armando Nogueira, da Globo. Também Alberto Helena, do Estadão. E Juca Kfouri, o mais jovem do grupo mas já uma referência, de Folha de S.Paulo. Em pouco tempo, cria-se um oráculo capaz de disputar atenção com Zagallo e Ronaldo Fenômeno.
Nós, a gurizada, queríamos chegar perto, ouvir algo, quem sabe trocar uma ideia despretenciosa e contar para os netos. Eles eram os craques do texto na crônica esportiva brasileira — e o nosso professor Ruy era um deles, a nos representar.
Nem preciso me alongar em como ele começou a virar o jogo do rádio gaúcho quando foi contratado a peso de ouro pela RBS, vindo da Caldas Júnior, em 1978. A Província de São Pedro estremeceu. O ex-governador Antônio Britto costuma dizer que foi como se o Inter anunciasse Renato ou o Grêmio acertasse com Falcão.
Não seríamos o que somos de bom nesse nosso apaixonante e incompreendido ofício sem a vida Ruy Carlos Ostermann.
O professor foi o melhor de todos nós.