
Integrantes da chamada "Abin paralela" teriam monitorado, por engano, um homônimo do ministro Alexandre de Moraes, durante o governo Jair Bolsonaro. A informação consta no relatório final da Polícia Federal (PF) sobre o esquema de espionagem ilegal que seria operado dentro da Agência Brasileira de Inteligência.
O relatório foi divulgado na quarta-feira (18) após o fim do sigilo determinado pelo próprio Moraes, que é relator do caso no Supremo Tribunal Federal (STF).
Segundo a PF, o agente Thiago Gomes Quinalia fez três buscas no sistema de rastreamento FirstMile com o nome "Alexandre de Moraes Soares" em 19 de maio de 2019.
As consultas teriam resultado em dados incorretos, vinculando indevidamente um homônimo do ministro como alvo de vigilância.
"A utilização de sistemas ilegítimos de consulta, como demonstrado acima, resultava, por vezes, em números de terminais telefônicos erroneamente associados a alvos. A pesquisa no sistema First Mile por homônimo é erro passível de ter sido cometido", diz o relatório da PF.
Inquérito das fake news
Apesar da falha, a investigação aponta que o verdadeiro Moraes também foi espionado ilegalmente pelo grupo. Entre os demais alvos monitorados, estariam os ex-deputados Jean Wyllys, Rodrigo Maia e Joice Hasselmann, o ministro Flávio Dino, o ex-governador João Doria Jr. e os jornalistas Leandro Demori e Mônica Bergamo.
O episódio envolvendo o homônimo ocorreu em momento sensível para o STF: em março de 2019, foi aberto o chamado inquérito das fake news, sob relatoria de Moraes. A data da busca coincide com a movimentação do Supremo para avaliar um recurso contra a investigação.
"O marco temporal da pesquisa é compatível com a instauração do inquérito 4.781, em março de 2019, pelo então presidente do STF, Dias Toffoli. Em 14/05/2019, houve a disponibilização para julgamento de recurso para suspender a apuração", afirma a PF.
Carlos Bolsonaro entre os indiciados
O relatório final da Polícia Federal aponta que o ex-presidente Jair Bolsonaro e o filho Carlos Bolsonaro participaram de uma organização criminosa que comandava a estrutura paralela dentro da Abin para monitorar opositores.

Cerca de 30 pessoas foram indiciadas. Carlos, segundo a PF, atuava diretamente no núcleo político que articulava as ordens.
O ex-presidente não foi incluído entre os indiciados nesse caso porque já é réu em outra ação penal no STF, relacionada à tentativa de golpe e que também envolve o uso clandestino da Abin.
O agente Thiago Quinalia, responsável pela consulta errada em relação a Moraes, foi exonerado do cargo público em 2023. O paradeiro dele é desconhecido.
Carlos Bolsonaro reagiu ao indiciamento com críticas à Polícia Federal. Em publicação na rede X, afirmou: "Alguém tinha alguma dúvida que a PF do Lula faria isso comigo? Justificativa? Creio que os senhores já sabem: eleições em 2026? Acho que não! É só coincidência!", escreveu.
O que é o FirstMile?
O sistema FirstMile, de origem israelense, permite rastrear indivíduos com base na localização de celulares, sem necessidade de autorização judicial.
A ferramenta foi usada de forma ilegal pela Abin, segundo a PF, para monitorar autoridades, jornalistas e adversários políticos. A prática gerou a abertura de inquéritos contra ex-dirigentes da agência e servidores públicos envolvidos.
Sigilo derrubado
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF) retirou o sigilo do relatório da Polícia Federal (PF) sobre o caso da "Abin paralela", na quarta-feira (18).
Após a conclusão do inquérito, a PF indiciou 36 pessoas, entre elas o vereador do Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro (Republicanos), filho do ex-presidente Jair Bolsonaro, e o ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ).
O inquérito investigou o uso da Abin para espionagem ilegal. O relatório tem 1,1 mil páginas e detalha o funcionamento do suposto esquema de monitoramento. Conforme o STF, a decisão foi tomada após a constatação de vazamentos seletivos de trechos do relatório policial.
"Em que pese o sigilo dos autos, lamentavelmente, vêm ocorrendo inúmeros vazamentos seletivos de trechos do relatório apresentado pela autoridade policial, com matérias confusas, contraditórias e errôneas na mídia", afirmou o relator.
Foi mantido o sigilo apenas das petições relacionadas a dados bancários e fiscais dos investigados. O ministro também determinou o envio dos autos para a Procuradoria-Geral da República (PGR) para manifestação em 15 dias.