
Ele está com show solo na praça, chamado “Minha História” (veja os detalhes em sympla.com.br), e acaba de lançar em vinil o disco O Apanhador, inspirado no livro O Apanhador no Campo de Centeio.
Thedy Corrêa concedeu uma baita entrevista ao Perimetal, podcast que divido com Paulo Germano, o PG, na última semana.
A seguir, destaco os trechos mais legais do bate-papo, que já está disponível na íntegra no YouTube de GZH e nas plataformas de áudio.
Veja a íntegra aqui:
Um dos grandes méritos da banda Nenhum de Nós é o pop rock com inteligência emocional. Vocês abordam temas complexos, como medo, silêncio, dor, ruptura, de um jeito leve e acessível, concorda?
Essa é uma das nossas marcas mesmo. Assumimos isso com muita intensidade emocional, desde Camila (hit lançado em 1987 que fez a banda "explodir" nacionalmente), que acabou mudando a vida de muita gente.
Mudou mesmo? Como?
O primeiro exemplo vem do IBGE. Dá para mapear pelo Censo o número de Camilas. Até a música estourar, eram mais ou menos 11 mil. Depois, passaram de 200 mil. Colocar o nome numa filha por causa de uma canção já é uma marca.
Mas Camila tem como grande mérito o fato de fazer refletir. Em 1987, a gente não chamava de relação abusiva, mas era mais ou menos isso o que a canção retratava. Nunca imaginamos que seria o sucesso que foi. A coisa que mais ouvi em toda a carreira foi: “Eu sou uma Camila da vida real”.
E é um tema que nunca esteve tão atual.
Eu ouvi isso de meninas e meninos. Por quê? Porque, segundo as estatísticas, o abuso é muito alto dentro da própria família. A canção fala de coisas que, para essas pessoas que passaram pela experiência, são fáceis de identificar, os olhos insanos, por exemplo, uma imagem muito forte para quem passou por isso, sabe?
A Camila existiu?
É uma história real, de uma pessoa que estava vivendo uma relação abusiva. A gente sentava junto e discutia o que queríamos falar. Eu contei alguns episódios que estavam acontecendo com uma pessoa, e decidimos escrever sobre isso.
Ela se chamava Camila mesmo?
Não. Mas eu vou contar um negócio que é impressionante, em certo sentido. É uma revelação, nunca tinha falado isso. Fazia quatro meses que a gente tinha feito a letra, mas não tinha refrão. A música existia como a gente conhece, sem o “Camila”.
A gente ensaiava num estúdio na Cidade Baixa, na Sofia Veloso, e o dono do estúdio era muito zeloso com o carpete. Quando chovia, ele forrava o estúdio com jornal.
A primeira coincidência é que choveu no dia do ensaio, e a gente não desistiu de ir, apesar da chuva. A segunda grande coincidência foi que ele, ao forrar o piso, colocou na minha frente o jornal, o Segundo Caderno da Zero Hora, na parte de cinema. Em determinado momento, eu baixei a cabeça, olhei e vi que tinha um cartaz no jornal de um filme filme argentino, de 1984, chamado Camila.
Aí deu o clique?
Eu olhei e, na hora, fui na nota, fui no “dó” com o baixo, e cantei isso: “Camila, oh, Camila”, e foi assim, aquela coisa da inspiração. A inspiração é uma coisa que a gente tem de estar preparado, o radar tem que estar sempre ligado, porque eu podia olhar para baixo, ver o jornal e pensar assim: hoje vou ao cinema com a minha namorada, assistir a esse filme. Mas não, a gente estava tão focado nessa solução que, quando eu vi, eu cantei. E aí vem a parte mais impressionante.
O que aconteceu?
Para a Gramado Summit, onde eu iria fazer uma mentoria, decidi dar uma olhada na história desse filme. Fiquei chocado quando vi que o filme conta a história de uma Camila que existiu em 1848 na Argentina, uma menina de 23 anos, que foi vítima de violência, porque engravidou de um padre na época.
Como ficou a história da Camila real?
Um tempo depois, ela se separou daquela pessoa, e construiu uma vida maravilhosa, depois com uma pessoa legal, com filhos e tal.
Vocês sempre tiveram um sucesso muito sólido e estável, sem grandes convulsões, sem escândalos, sem quebra-quebra, mas isso não quer dizer que sejam uma banda “bunda mole”, pelo contrário. Tem muita intensidade. Eu queria que você analisasse isso.
É interessante você falar isso, porque, por muitas situações, a gente recebeu esse rótulo.
Sério?
Sim, porque a gente era…
Certinho?
Nerd. Eu me classifico como um nerd, ou um careta, nesse sentido. Falo com toda a tranquilidade: nunca fui da droga. Nunca fui da bebida. Não gosto. Não combina. Eu sou o cara que ia para o hotel mais cedo para ler, entendeu? Mas eu era um “bunda mole” que fazia assim: “Vou falar sobre Aids”. Aí, no quarto disco, a gente escreveu Compaixão. A gente falava de Aids em 1992, falava de violência contra a mulher em 1987. Não tinha nada de bunda mole nisso. Era muito intenso.
E a sua relação com Porto Alegre, como é?
Sou apaixonado por Porto Alegre. O Centro (Thedy cresceu na Rua João Manoel) fez parte da minha formação como ser humano. A Feira do Livro era a coisa mais próxima da Disney que eu tinha quando era moleque, com as luzinhas das barraquinhas e tal. Fui crescendo e me conectando com a cidade. Imagina cruzar com o Mario Quintana na rua? Eu passava por ele com frequência. Era um herói.
Essa cidade ainda existe?
Eu acho que ela existe. Vejo muitas manifestações de apreço, de amor pela cidade, que eu não consigo ignorar. Olha o Gasômetro, toda aquela faixa de convívio que a gente tem lá. A minha filha fez aniversário, e eu perguntei o que ela queria fazer. Ela falou: “Vamos tomar um mate lá na usina”, e a gente foi. Não consigo desistir de Porto Alegre.
Interessante saber disso, porque os porto-alegrenses parece que gostam de falar mal de si mesmos.
Eu gosto de olhar o positivo, porque eu acho que a gente tem que estimular esse tipo de coisa. É claro que a gente tem os defeitos, e eu não tenho nenhuma simpatia pela administração que tá sendo feita pelo prefeito. Eu falo disso, mas eu não confundo a administração da prefeitura com a cidade. Se alguma coisa for feita corretamente, eu vou usufruir e vou elogiar. O que estiver sendo feito de errado, eu vou falar. Quem me acompanha nas redes sociais sabe que eu manifesto a minha opinião.