
“O meio de campo do Inter se encontra desgovernado, com uma terceira linha acovardada. Não há distribuição de bola para o ataque. É questão de tempo até levar um gol. Um tempo que pode ser irrecuperável, irrevogável.”
O Professor. Não precisávamos nem do nome para saber quem era: Ruy Carlos Ostermann, o maior comentarista esportivo da história gaúcha. Ele oferecia lições de argumentação, de oratória, de tese e antítese, de síntese, onde estivesse. Era filósofo, pensador em qualquer circunstância.
Imprimiu na locução esportiva uma marca pessoal. Não que falasse difícil. Falava bonito.
Assim como Armando Nogueira, improvisava com perspicácia, decifrava esquemas táticos, conferia literatura às partidas.
Fazia-se exato, recorrendo às planilhas de eficiência de cada time. Ponderava prós e contras, refletindo sobre os lances com equilíbrio e clareza. Queria que o ouvinte meditasse sobre o que estava acontecendo, racionalizasse diante de sua paixão, não fosse tragado pelo abismo do sectarismo.
Carregou, para a cobertura dos jogos da dupla Gre-Nal, o frescor da civilidade, o capricho do vernáculo, o português correto, dispensando gírias, palavras chulas, interjeições agressivas.
Seus adjetivos iluminavam nossos domingos de torcida.
Calmo e pausado, culto e impassível, nobre e elegante, ensinava-nos a ter paciência nos momentos de apreensão. Transformava noventa minutos em meses, em anos, em dilemas infinitos. Em versos da Ilíada.
Renato Gaúcho se tornava Aquiles. Falcão se convertia em Heitor. Uma narração homérica.
Ele nos hipnotizava pela voz. Grudado no meu radinho de pilha, eu procurava ouvir o que ele pensava. Durante décadas, traduziu o futebol para mim. E não se tratava apenas de futebol, mas de aceitar perder na vida, de comemorar toda vitória, de reconhecer que o empate havia sido justo.
Comentava como quem escrevia. Não suprimia as vírgulas na oralidade, nem a pontuação no vento. Não se diferenciava a audição de uma leitura.
Com ele, eu era capaz de ler escutando alguém. Só com ele.
Talvez Ruy tenha aprendido a conversar desde menino, no café de propriedade do pai em São Leopoldo, recebendo os clientes com cortesia. Talvez tenha aprendido a dar vez ao outro nas aulas que conduzia no Colégio Israelita Brasileiro e no Colégio João XXIII, na capital. Absorvia divergências sem jamais se mostrar ofendido. Foi a mais humilde de nossas inteligências.
Convivi com ele como escritor entrevistado frequente do "Gaúcha Entrevista", que ia ao ar nas tardes de segunda a sexta-feira. Depois, participei de vários "Encontros com o Professor", debates realizados em itinerância por cidades gaúchas, num talk show criado ao lado da filha Cristiane, em que Ruy investigava as origens de personalidades da cena cultural.
Num deles, em Montenegro, em 2004, eu fiquei mudo, telepático.
Ele me questionou:
— Não vai falar mais nada?
Por um instante, eu me vi novamente criança o admirando. Lembrei-me de tudo o que vivi a partir de suas descrições do cotidiano e esqueci o que iria responder.
Olhei para ele e apenas declarei, com uma sinceridade inadiável, coisa rara entre adultos:
— Já disse que eu te amo?
Ele riu, encabulado.
— Não estou brincando. É sério! — insisti.
Eu o deixei desarmado. Aquele homem extrovertido e confiante, comunicador expressivo e firme, também tinha uma risada falada. Um "hahaha" espaçado e sonoro. Ele, que nunca chorava, na verdade derramava lágrimas de comoção pela gargalhada.
Aos 90 anos, Ruy Carlos Ostermann partiu na sexta-feira (27), em Porto Alegre, em razão de complicações decorrentes de uma pneumonia.
É o adeus do mediador do Sala de Redação, do patrono da Feira do Livro, do Mérito Farroupilha, do deputado estadual, do secretário de Educação do Estado, do autor de 11 livros, do amigo cordial, do meu paraninfo na formatura de Jornalismo, do meu guru da retórica, do ídolo intelectual, da mente brilhante e lúcida, do revolucionário da gentileza no jornalismo esportivo.
Ou simplesmente o nosso inconfundível Professor.
Hoje, o Rio Grande do Sul é uma sala de aula vazia.